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Fora do corpo, Que mistério é esse?

Estudo internacional analisa experiências extracorporais relatadas por pacientes. Núcleo de Pesquisa da Universidade Federal de Juiz de Fora é o único participante da América Latina
Luciane Evans
Publicação: 19/11/2011 04:00

Eram 15h de domingo, em Juiz de Fora, na Zona da Mata. No hospital da cidade, a paciente não respondia às reações da equipe médica ao seu redor. Seu sangue havia obstruído o coração. O cardiologista Leonardo Miana, chamado às pressas para o caso, a via pela primeira vez e ela já nem abria os olhos. Ao entubá-la, a paciente sofreu uma parada cardíaca. Em oito minutos os médicos fizeram o procedimento para retirar o sangue do coração e os batimentos voltaram.
Dois dias depois, ela acordou. Ao ver Leonardo pelo hospital, sem ninguém lhe dizer de quem se tratava, começou a chorar e a agradecer. Um ano depois, em uma outra unidade de saúde, reconheceu o residente da equipe que lhe salvara. Ela não sabia o nome dos profissionais. Só os conhecia porque, nos oito minutos em que ficou entre a vida e a morte, disse ter se visto fora do corpo durante todo o procedimento. “Ela não nos conhecia. Contou-me que se lembrava de toda a correria médica e que eu tinha lhe aberto o peito. É instigante ”, comenta Leonardo.
A pulga atrás da orelha em histórias como essas, em que pessoas juram ter saído do corpo enquanto estavam para se despedir da vida, não envolve poucas pessoas. Diante dos relatos e do número de casos, nos quais quem passou por essa experiência relata o aparecimento de luzes, imagens, túneis e tantas outras situações que deixam muitos arrepiados, a ciência resolveu encarar o desafio e tentar desvendar o que existe por trás disso: fé? Delírio?
As explicações para o mistério que ronda a humanidade há milhares de anos poderão vir de um estudo internacional, do qual Minas Gerais é o único estado da América Latina a participar. Empenhados na busca de investigar a natureza das experiências de quase morte (EQM’s), pesquisadores do Núcleo de Pesquisa em Espiritualidade e Saúde (Nupes), da Universidade Federal de Juíz de Fora (UFJF), há um ano, se uniram aos cientistas da Europa, Estados Unidos e Canadá, sendo ao todo 25 centros participantes da pesquisa. Duas mil pessoas serão ouvidas em todo o mundo, sendo que em Minas a estimativa é de que até 150 deem seu relato. O projeto está no início, mas em dois anos é possível que esse suspense chegue ao fim.
De acordo com Leonardo Miana, coordenador da pesquisa em Juiz de Fora, esse estudo começou em 2001 por Peter Fenwick, do Instituto de Psiquiatria de Londres e Sam Parnia, do Hospital Geral de Southampton, ambos da Inglaterra. “Eles conseguiram poucos casos. Dos pacientes que apresentam parada cardíaca, 10% têm a experiência de quase morte. E desses, 20% dizem sair do corpo”, conta, justificando a extensão da análise pelo mundo . Há pouco mais de um ano, Peter veio a um congresso no Brasil e conheceu o Nupes, coordenado pelo professor adjunto de psiquiatria e semiologia da Faculdade de Medicina da UFJF, Alexander Moreira de Almeida . “Ele achou interessante que profissionais de várias áreas, como cardiologia, filosofia e psicologia, participassem do núcleo. Há um ano, com aprovação dos hospitais e do Conselho de Ética e Pesquisa, ingressamos no projeto. Recebemos recursos da universidade e, desde então, esperamos a Fundação de Amparo às Pesquisas de Minas Gerais nos repassar R$ 200 mil para o trabalho”, comenta.
Cinco hospitais de Juiz de Fora participam desse estudo, sendo ao todo sete unidades de terapia intensiva (UTIs). Das cinco unidades hospitalares, três são particulares. Os outros dois são a Santa Casa da cidade e o Hospital Universitário da UFJF. A metodologia consiste em pôr prateleiras acima dos leitos das unidades de terapia intensiva. “Nelas há figuras impressas de pessoas conhecidas pela população”, conta o pesquisador. Tais imagens ficam localizadas a 30 centímetros do teto e só poderiam ser vistas por alguém que estivesse flutuando. O estudo é duplo-cego, ou seja, médicos e pacientes não sabem quais figuras estão ali.
Se alguma pessoa disser ter visto essas representações, segundo o pesquisador, essa pode ser a evidência de que a mente não está restrita ao cérebro. Em outras palavras, é uma forma de comprovar que existem almas. Por enquanto, os cientistas não contam os relatos já coletados, mas garantem que são interessantes. Há três correntes para o mistério: “A existência do espírito; a criação da mente do paciente; ou há uma hiperestimulação do cérebro com a perda rápida de oxigênio, que leva à estimulação do sistema límbico (responsável pelas emoções) a promover a visão das imagens”, aponta Leonardo.

VERACIDADE O curioso disso tudo é que, segundo ele, os casos relatados são semelhantes. “Estudos mostram que 80% das pessoas dizem ter visto um túnel e uma luz clara. Dentro desse túnel, podem ou não ver imagens de seu passado. Há uma sensação de prazer. Desses, 20% dizem ter saído do próprio corpo”, afirma Leonardo, acrescentando também que, geralmente, depois de uns dois anos em que o paciente passou por isso, ele passa a valorizar mais a vida. “Os relatos para nossa pesquisa são acompanhados por psicólogos que aplicam a escala de Greyson – com perguntas formadas por componentes cognitivos, emocionais, transcendentais e paranormais –, que classifica a EQM como padrão ou não.”
Ao ser padrão, a versão do paciente é gravada e é investigado se há menção das imagens da prateleira. Outros testes psicológicos e neurológicos também são feitos para algo que comprometa a veracidade da narrativa. Para o pesquisador, mesmo que um ou dois pacientes apresentem evidências consistentes no período de inatividade cerebral, haverá um forte indicativo de que mente e cérebro são coisas distintas e, portanto, o fenômeno não encontraria explicação nas teses convencionais que veem a mente humana como um produto gerado pelas atividades cerebrais. Mas se não forem relatadas evidências verídicas, há várias suposições: durante a parada cardíaca, algumas descargas elétricas ainda em atividade no cérebro resultariam na produção cognitiva de imagem. Há a hipótese de se tratar de criação mental involuntária atuando como um mecanismo de defesa para um momento como a morte.
Outra suposição, que pode causar rebuliço na medicina, é de o cérebro manter algumas de suas funções mesmo diante da falta de oxigênio, o que poderia resultar em novos procedimentos na saúde. Os pesquisadores deixam claro que o estudo não tem nada a ver com o misticismo, sobrenatural ou espiritual. “Estamos tratando do natural. Se acontece tanto assim, é algo da natureza. Durante muito tempo, a ciência ficou afastada do transcendental. Hoje, cada vez mais, o ser humano está buscando isso. É hora de a ciência ir atrás”, conclui. 
 
Fonte:
Jornal Estado de Minas

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